quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Disputa de poder na Igreja pode ter provocado renúncia de Bento XVI

Estadão: Disputa de poder na Igreja pode ter provocado renúncia de Bento XVI – Para jornalista que divulgou documentos secretos do papa, cúria está dividida

Fontes próximas ao Vaticano afirmam que exaustão declarada pelo pontífice está ligada aos confrontos internos, e não apenas à idade avançada; corrupção no Banco do Vaticano e roubo de documentos por seu ex-mordomo contribuíram para o desgaste

13 de fevereiro de 2013
Jamil Chade/enviado especial e Filipe Domingue/especial para o Estado de S. Paulo

Nos últimos meses, Bento XVI abandonou os confrontos: ‘Eu sou um papa velho’, dizia

CIDADE DO VATICANO – Cansado e sem energia, mas também isolado politicamente. O papa Bento XVI de fato renunciou ao pontificado por conta de sua fragilidade. Fontes próximas ao Vaticano, porém, afirmam que a exaustão não tem a ver apenas com a sua saúde, mas também com a disputa de poder que marcou seus últimos meses no trono. A renúncia teria sido uma reação extrema ao que muitos classificam de governo paralelo, que teria se formado à sua sombra e sob comando do cardeal Tarcisio Bertone.
Por seus aliados, Bento XVI optou por sacrificar seu próprio cargo, na esperança de recolocar a Igreja num caminho de maior coesão, forçando uma nova eleição.
Fontes nas embaixadas estrangeiras junto à Santa Sé relataram ao Estado os bastidores dos últimos meses de Bento XVI. Dizem que o papa renunciou de livre vontade, mas consciente de que já não mandava sozinho na Santa Sé e, com os poucos anos que lhe restavam, não conseguiria fazer o que havia planejado diante de resistência de seus ex-aliados.
De forma indireta, a Santa Sé confirmou que a fragilidade não vinha de sua saúde. “O papa é uma pessoa de grande realismo e conhece os problemas e as dificuldades”, disse o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi. “A renúncia foi uma mensagem à Cúria, mas também a todos nós”, disse. “Foi um ato de humildade, sabedoria e responsabilidade.”
Segundo Lombardi, não havia um problema específico, mas sim uma visão “mais ampla da Igreja no mundo. “Não foi uma decisão improvisada. Foi algo muito lúcido.” A possibilidade de renúncia era cogitada por Bento XVI desde abril de 2012, após viagem ao México e a Cuba.
O papa chegou ao trono com a promessa de que conduziria uma limpeza na Igreja. O resultado, porém, foi o oposto e o equilíbrio de poder que havia durante os anos de João Paulo II ruiu.
Suas decisões de punir cardeais simplesmente foram ignoradas ou levaram anos para serem cumpridas, em um desafio claro ao poder do papa. Foram os casos de Roger Mahony ou de Thomas Curry. Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, foi outro que acabou sendo protegido por anos, apesar das denúncias. Por mais que tenha tentado, Bento XVI jamais conseguiu implementar sua ideia “de tolerância zero” em relação à pedofilia. “Quanta sujeira na Igreja”, chegou a declarar.
Bento XVI também deu indicações de que poderia rever algumas de suas posições, como a questão do preservativo. Cardeais mostraram-se irritados e se apressaram em negar o debate. Esse não seria o único caso de desobediência. Bertone tomaria medidas à sua revelia, até mesmo punindo aliados do papa. Em uma ocasião, teria chorado.
Amigo pessoal do papa, Bertone foi a pessoa que mais recebeu poder dentro da Igreja em 2005. Mas, em alianças com membros da Cúria, teria criado situações em que colocava Bento XVI contra esses cardeais. Para evitar uma disputa direta, o papa optou inicialmente por não questionar as decisões de seu ex-aliado. Mas isso teria ido longe demais.
Um dos casos que revelou o poder de Bertone foi o do cardeal Carlo Maria Vigano, que alertou Bento XVI sobre suspeitas de corrupção nos contratos do Vaticano. O caso chegou até a imprensa italiana. Imediatamente, Bertone decidiu nomear Vigano como núncio nos Estados Unidos.
Outros fatos. Também pesaram a revelação de corrupção no Banco do Vaticano, seguido pelo descobrimento de que próprio mordomo, pessoa que o vestia e estava em sua intimidade, havia roubado documentos que expunham a corrupção na Igreja.
Para diplomatas, um indício de que Bento XVI não acreditava que o mordomo havia agido sozinho foi sua decisão de perdoá-lo, mesmo depois que um tribunal do Vaticano o condenou.
Em agosto, Bento XVI foi à casa que o Vaticano dispõe nos arredores de Roma para descanso. Fontes no Vaticano confirmaram que já naquele momento ele estava isolado. Nos últimos meses, o papa abandonou o confronto. Aos que chegavam com alguma intriga doméstica, respondia: “Eu sou um papa velho”.

Da Folha de São Paulo
Para jornalista que divulgou documentos secretos do papa, cúria está dividida
GRACILIANO ROCHA
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
14/02/2013
Um dos responsáveis pelas denúncias que deflagraram o escândalo conhecido como “Vatileaks” –o vazamento de documentos secretos da Santa Sé–, o jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, 43, disse que a renúncia de Bento 16 foi causada pela perda de poder do papa para reformar a cúpula
Em entrevista à Folha, ele afirmou que a elite administrativa do Vaticano está rachada por intrigas e suspeitas de corrupção.
Nuzzi é autor de “Sua Santità” (“Sua Santidade”, em português), livro que aponta um crescente antagonismo entre o papa e o número dois do Vaticano, o secretário de Estado Tarcisio Bertone.
Os documentos que abasteceram o livro de Nuzzi e a imprensa italiana provocaram a prisão e a condenação de Paolo Gabriele, o mordomo do papa que foi acusado de ser o autor do vazamento. Gabriele recebeu indulto do pontífice.
O escândalo jogou sobre o cardeal Bertone a suspeita de ter promovido uma campanha para afastar o arcebispo Carlo Maria Viganò, responsável pelas licitações do Vaticano, que havia denunciado casos de corrupção.
A seguir, a entrevista que Nuzzi concedeu à Folha.
*
Folha – Na sua opinião, o que pode ter provocado a renúncia do papa: o cansaço alegado por Bento 16 ou as divisões internas da igreja?
Gianluigi Nuzzi - Eu acredito que o papa não tem mais a força pra reformar a Cúria Romana [cúpula da igreja], que está dividida por brigas, denúncias de corrupção e jogos de poder. Acredito que Bento 16 não confie mais em seu secretário de Estado. Os dois não conseguem mais prosseguir juntos na condução da igreja no mundo.
*Por que Bento 16 não prevaleceu? *
O papa se chocou com blocos de poder, que exigem uma reforma radical de cunho político. Isso não é próprio de um papa que é e continuará sendo um teólogo.
O futuro papa vai encontrar que ambiente na Santa Sé?
O futuro dependerá muito daquilo que escolherão os cardeais não italianos –se saberão interpretar e entender esse mal-estar na Cúria e se saberão unir forças em prol de candidatos não italianos. Até porque os protagonistas das histórias contadas em meu livro são todos italianos.
O senhor acredita que o vazamento de documentos teve alguma influência nessa decisão do papa?
A influência não é sobre sua renúncia. O problema não é que certas coisas se tornem públicas, mas quem são os protagonistas dessas histórias, os protagonistas negativos.
Os italianos vão eleger o novo Parlamento neste mês. A decisão do papa repercute de algum modo no processo?
Ela deixa um sinal de confusão em todos.
SAIBA MAIS
O escândalo que ficou conhecido como “Vatileaks” (numa referência ao WikiLeaks) emergiu em janeiro de 2012, quando a rede de TV italiana A7 divulgou cartas enviadas pelo atual núncio nos EUA, Carlo María Viganò, a Bento 16, nas quais denunciava “corrupção, prevaricação e má gestão” na administração vaticana.
Em maio, centenas de novos documentos secretos vieram à tona com a publicação do livro “Sua Santidade – As Cartas Secretas de Bento 16″, do jornalista Gianluigi Nuzzi, mostrando complôs e intrigas na Santa Sé.
Alguns documentos mostram confrontos travados sobre o problema do Banco do Vaticano em cumprir normas internacionais de transparência. O presidente do banco, Ettore Gotti Tedeschi, foi retirado do posto.
As acusações de vazamento dos documentos recaíram principalmente sobre o mordomo de Bento 16, Paolo Gabriele. Ele confessou o roubo de documentos, justificando que “queria provocar um choque para colocar a igreja no bom caminho”.
O mordomo foi condenado a 18 meses de prisão, mas em dezembro o papa foi pessoalmente anunciar seu indulto. Banido do Vaticano, começou ontem a trabalhar num hospital infantil.





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