A
descoberta de um planeta numa estrela vizinha do Sol mostra como cresceram as
chances de encontrarmos vida fora da Terra
Se o
desígnio da humanidade for um dia colonizar as estrelas, nas grandes navegações
do futuro Alfa Centauri será um destino preferencial. Caso exista uma
segunda Terra a
povoar, é lá que ela deve se esconder. O sistema Alfa Centauri é composto de
três estrelas. Alfa Centauri A e B têm dimensões próximas do Sol e orbitam uma
em torno da outra. A terceira estrela, Proxima Centauri, é muito menor e gira
em torno das outras duas. As três estrelas ficam a 4,3 anos-luz de distância
(ou 41 trilhões de quilômetros). É uma distância inatingível com a tecnologia
atual. Ainda assim, o sistema Alfa Centauri é o vizinho mais próximo de
nosso Sistema
Solar.
Essa
vizinhança aumenta a importância do anúncio feito na semana passada por
astrônomos europeus na revista britânica Nature. Os cientistas
usaram o Observatório Europeu Sulino, noChile, para
detectar um planeta rochoso
do tamanho da Terra em órbita de Alfa Centauri B. Apesar do nome nada criativo,
o planeta Alfa Centauri Bb é a descoberta mais aguardada desde que os primeiros
planetas de outros sóis (os extrassolares) começaram a ser detectados em 1992.
Já são conhecidos 842 planetas. Outros 2.300 aguardam confirmação.
(Ilustração: ESO/L. Calçada e gráfico Gerson Mora)
O achado
de Alfa Centauri Bb é o ápice de uma série recente de descobertas que
aumentaram as chances de encontrarmos vida extraterrestre. Além de planetas
como a Terra ser mais comuns por aí do que se imaginava, pesquisas em
microbiologia vêm mostrando que as bactérias, as formas primitivas e
onipresentes de vida, conseguem proliferar em condições mais adversas do que se
previa. E mais: novas evidências sugerem que, havendo chance, a vida se instala
e evolui mais rápido do que se supunha. Tudo isso significa que as
possibilidades de esbarrarmos em mundos habitados lá fora se multiplicaram. Só
não espere ETs muito evoluídos ainda.
Alfa
Centauri Bb, propriamente dito, não é um mundo hospitaleiro. É infernal, com
temperaturas de 1.200 graus. Tem uma órbita equivalente à de Mercúrio, o
planeta mais próximo de nosso Sol. Uma segunda Terra precisaria estar na região
em torno de uma estrela onde as temperaturas são amenas o suficiente para
permitir a existência de água em estado líquido na superfície, conhecida como
zona habitável. A Terra fica bem no meio da zona habitável do Sistema Solar.
Marte, no limite externo, é gelado. Vênus é um forno. Alfa Centauri Bb não está
numa órbita amena, mas saber que existe suscita grandes esperanças de achar um
planeta capaz de abrigar vida. A experiência mostra que planetas não costumam
andar sozinhos. Os 842 planetas conhecidos fora do Sistema Solar se congregam
em 664 sistemas planetários. Segundo um dos autores da pesquisa, o suíço
Stephane Udry, “achar um planeta pequeno (como Alfa Centauri Bb) significa
haver uma grande probabilidade de encontrar outros, incluindo na zona
habitável”.
Quantos
planetas não se esconderiam no sistema Alfa Centauri? Detectar todos passou a
ser uma prioridade da astronomia. Uma vez achado um gêmeo da Terra – algo com
chance de ocorrer na próxima década –, o passo seguinte seria identificar os
elementos químicos de sua atmosfera alienígena. Isso é possível com
observatórios astronômicos de alta precisão. Se os instrumentos revelarem
traços de água, oxigênio e nitrogênio, seria um planeta candidato a abrigar
vida. Caso encontrem carbono, o elemento constitutivo da vida, melhor ainda.
Mas seria vida bacteriana, multicelular ou inteligente? O astrônomo americano
Carl Sagan costumava dizer que “suposições extraordinárias exigem evidências
extraordinárias”. A única forma de verificar seria ir até Alfa Centauri.
Daqui até lá
é uma boa esticada. Um fóton, uma partícula de luz cruzando o espaço a 300.000
quilômetros por hora, completa 7,5 voltas na Terra em um segundo. Nessa
velocidade, ele levaria 4,3 anos para atingir Alfa Centauri. Se vivêssemos no
século XXIII fictício do seriado Jornada na estrelas e
estivéssemos zunindo no espaço a bordo da nave estelar
Enterprise, bastariam sete dias, 14 horas, 38 minutos e 24 segundos para
visitar Alfa Centauri. Na vida real, limitada à tecnologia de transporte
espacial existente, uma nave precisaria de 76.850 anos para completar o
percurso, voando a 17 quilômetros por segundo, a velocidade da sonda Voyager I,
o veículo mais rápido já disparado pelo homem.
No futuro,
talvez o engenho humano consiga criar meios para viajar muito mais rápido. Uma nave
que acelere a 30% da velocidade da luz levaria menos de 13 anos para alcançar o
sistema Centauri. Seria um tempo de viagem aceitável para futuros astronautas,
dispostos a embarcar numa travessia sem volta para colonizar as estrelas? Era
esse o motivo da saga interplanetária da família Robinson, os heróis do seriado Perdidos
no espaço. Sua missão era iniciar a colonização de um planeta em Alfa
Centauri. Perderam-se pelo caminho. Se tivessem conseguido, o que encontrariam?
Quanto mais
os biólogos investigam os locais inóspitos de nosso planeta, mais se
surpreendem com a resistência dos micro-organismos. Não importa se vivendo em
água a 350 graus, num lago hiperácido que dissolve ossos, ou imersas em banho
radioativo, sempre se encontra uma espécie de bactéria adaptada a ambientes
extremos onde nenhuma outra prolifera.
As bactérias
são as formas de vida mais antigas do planeta. Bastou que a Terra se formasse e
sua crosta solidificasse para que, há 3,8 bilhões de anos, elas começassem a
pulular em oceanos primordiais. Os domínios da vida permaneceram microscópicos
por 3 bilhões de anos. De repente, há 600 milhões de anos algo aconteceu.
Surgiram os primeiros animais e plantas. Desde então, uma explosão de
criatividade anatômica permitiu à fauna e à flora assumir formas e proporções
inéditas e maravilhosas. Os anfíbios gigantes deram lugar aos dinossauros, que
cederam a vez aos mamíferos.
Os
exobiólogos, estudiosos de vida alienígena, partem da experiência terrestre
para apostar que, diante de condições propícias à evolução da vida num planeta
extrassolar, ela se instalaria rapidamente. Com o tempo, a vida evoluiria em
formas e cores – sem necessariamente desembocar em espécies inteligentes.
NOVOS MUNDOS
Ilustrações dos planetas Zarmina (no alto) e Kepler 22b. Eles poderiam
abrigar vida, pois ficam na zona habitável de seus sistemas solares, a 600
anos-luz e 22 anos-luz daTerra, respectivamente. São mundos distantes
(Foto: Lynette Cook e NASA/Ames/JPL-Caltech)
Ilustrações dos planetas Zarmina (no alto) e Kepler 22b. Eles poderiam
abrigar vida, pois ficam na zona habitável de seus sistemas solares, a 600
anos-luz e 22 anos-luz daTerra, respectivamente. São mundos distantes
(Foto: Lynette Cook e NASA/Ames/JPL-Caltech)
Embora a
vida seja fácil, bastando boas condições para que surja, a inteligência é um
evento mais raro. A vida na Terra precisou de 3,5 bilhões de anos para chegar a
seres dotados de consciência. E nas estrelas? Em 1961, o astrônomo americano
Frank Drake procurou estimar o número de civilizações na Via Láctea. Chegou a
um total de 10 mil. Três décadas antes da descoberta dos planetas
extras-solares, Drake ponderou que só uma em cada dez estrelas teria planetas.
Para Drake, a existência de sistemas planetários era a exceção. Hoje se sabe
que é regra. Refazendo os cálculos a partir das novas evidências, é possível
supor que nossa galáxia abrigue 100 mil civilizações. Uma talvez habite
Zarmina, um planeta a 600 anos-luz. Ou então Kepler 22b. Mais próximo, fica a
22 anos-luz.
Quando se
avistar uma nova Terra em Alfa Centauri, a probabillidade será que abrigue vida
bacteriana. Com muita sorte, terá algo que poderemos classificar como animais.
Seres inteligentes, é muito improvável. Ainda levará séculos para fazermos
contato com ETs.
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