quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Pesquisador Afirma: Interesse na Antartida não é Científico

Pesquisador Afirma: Interesse na Antartida não é Científico

O incêndio na base brasileira Estação Antártica Comandante Ferraz, levantou questões sobre a importância das pesquisas científicas realizadas no continente e quais os impactos que o acidente traz para o Brasil.
Dr. Luiz Carlos Molion, membro da OMM (Organização Meteorológica Mundial) e professor de climatologia da Universidade Federal de Alagoas, esteve envolvido com o PROANTAR (Programa Antártico Brasileiro) entre 1984 e 1987. Em entrevista para INFO, Molion esclarece quais os reais interesses brasileiros na Antártica.
Molion: Há 110-150 milhões de anos, estima-se que a Antártica pertencia a região equatorial, que vai do oeste da Amazônia às Ilhas Galápagos. Era um local com florestas densas e vulcões, com riqueza de minerais preciosos e raros, como ouro e, possivelmente, petróleo, já que biomassa é uma das fontes de petróleo. Há 30-50 milhões de anos, a Antártica se posicionou no Polo Sul e começou a acumular gelo. Mas, seu território riquíssimo é o que atrai os países. O Tratado da Antártica, em 1959, diz que a região não pertence a nenhum país em particular e que seria reservada para atividades pacíficas, como pesquisas científicas. Porém, parece estar claro que, quem não marcar sua presença com pesquisas no território ficará fora quando o “bolo” for repartido. Eu acho que não há interesse brasileiro real em pesquisas na Antártica. Existe, sim, o interesse geopolítico, para ter sua fatia do “bolo” quando daqui há décadas os recursos naturais do continente forem explorados.
INFO: Quantos projetos, em média, eram mantidos na Estação? Algum deles parou com o incêndio?
Molion: Acredito que sejam entre 35 e 40 projetos, distribuídos entre pesquisadores de duas redes. O incêndio comprometeu 40% do programa antártico brasileiro. Segundo o diretor do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Prof. Jefferson Simões, foram afetadas principalmente as áreas de biociência, algumas pesquisas sobre química atmosférica, de monitoramento do impacto da atividade humana naquela região do planeta. Simões também nos contou que a perda de equipamentos é um prejuízo de dezena de milhões de dólares.
INFO: Qual a importância científica dos estudos feitos na base?
Molion: Em resumo, é a possível importância da Antártica no clima global e a biologia marinha. O PROANTAR foi instituído pelo governo do Brasil em janeiro de 1982, com propósitos científicos e políticos, atingidos em 1984, com a instalação da Estação Antártica Comandante Ferraz. Os objetivos incluem ampliar o conhecimento dos fenômenos naturais que ali ocorrem e sua possível repercussão sobre o território brasileiro, assim como o desenvolvimento de projetos para estudar as mudanças ambientais globais, identificar os recursos econômicos vivos e não-vivos da região e formas de seu aproveitamento, além do levantamento das condições fisiográficas e ambientais do continente Antártico.
INFO: Como a estação brasileira se compara aos projetos estrangeiros similares?
Molion: Está em condições de igualdade na maioria das áreas científicas, particularmente as biológicas e bioquímicas. Alguns pesquisadores brasileiros fazem parte de equipes estrangeiras e vice-versa.
INFO: Que contribuições as pesquisas sobre biodiversidade, climatologia, química atmosférica, oceanológica e geológica já trouxeram ao país?
Molion: Diretamente para o Brasil, nenhum resultado prático que tenha nos beneficiado. O resultado mais importante é o de aprimoramento dos recursos humanos na pesquisa científica, isto é, formação e treinamento científico de nossos pesquisadores.

INFO: A perda científica é muito grande para o Brasil? Qual o impacto para a comunidade científica?
Molion: A perda é relativamente grande para o PROANTAR, que tem tido poucos recursos, e para os grupos científicos participantes (40%). Para o Brasil, como um todo, eu diria que não houve grande impacto.
INFO: É possível recuperar tudo o que foi perdido? Em quanto tempo?
Molion: É possível, mas vai depender do interesse do Governo Brasileiro, já que os recursos para sua reconstrução terão de vir de verba extraorçamentária. De acordo com o Prof. Jefferson Peres, a reconstrução da Estação Comandante Ferraz demorará de dois a três anos. Eu, particularmente, acho que, se realmente houver interesse, demorará pelo menos 5 anos, devido às condições adversas da Ilha Rei George. A logística é muito difícil e só se pode construir durante o verão antártico, de três meses por ano. O problema, porém, é mais fundamental: o Brasil precisa definir uma política científica para a Antártica! Qual é a nossa missão científica na Antártica? Ninguém sabe.
INFO: Era possível prevenir esse incêndio? O que poderia ter sido feito para tentar prevenir as mortes?
Molion: Certamente. A Estação é antiga, de 1984, portanto, quase 30 anos. Ela precisava de modernização e manutenção. Teria que se ter evitada também a superlotação, que impõe estresse à parca infra-estrutura.
INFO: Que tipo de preparo a estação tinha para conseguir lidar com acidentes em situações como essa?
Molion: A Estação estava superpovoada. Ela foi dimensionada para cerca de 30 a 35 pessoas. Mas, na oportunidade do sinistro, abrigava 59 pessoas. Embora a Marinha afirme que a Estação tinha todo equipamento de segurança necessário, uma superpopulação sempre aumenta a probabilidade de desastres, pois sua infraestrutura não foi dimensionada para tanto.
INFO: O governo está empenhado em reconstruir a base como vem dizendo?
Molion: Vai depender do interesse do Governo. Insisto que, em minha opinião, o objetivo principal sempre foi político ou geopolítico, não científico.

Luiz Carlos Molion é Bacharel em Física pela USP e doutor em Meteorologia com campo secundário em Proteção Ambiental pela Universidade de Wisconsin, Estados Unidos, professor de Dinâmica do Clima da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, como professor associado e pesquisador do Instituto de Ciências Atmosféricas (ICAT), e membro do Grupo de Prevenção e Mitigação de Desastres da Comissão de Climatologia da OMM. 


Fonte: http://info.abril.com.br/noticias/ciencia/interesse-na-antartica-nao-e-cientifico-diz-cientista-04032012-1.shl

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