A
democratização da Síria como método para impor uma ditadura sangrenta
EPA
Em caso
de derrube de Bashar Assad, a Síria irá viver décadas de anarquia e de caos. Os
peritos falam de uma fatídica ilusão que vivem os EUA, convencidos que a sua
experiência na construção de estados tem uma aplicação universal.
Os
norte-americanos se preparam para realizar ataques maciços com mísseis contra
alvos na Síria pertencentes ao regime de Bahar Assad. Entretanto, eles
concordam que a operação não irá influenciar a atual situação militar na Síria
e que a guerra travada pelos sírios poderá durar por mais uns dois anos.
É pouco
provável, porém, que a Síria consiga regressar à situação que vivia antes da
guerra. Mesmo que Assad conserve as suas posições, o país irá mergulhar no caos
e na anarquia. Os Tomahawks estadunidenses irão queimar o panorama
sociopolítico da Síria e esse incêndio irá acabar com toda a região. Este é o
comentário do perito do Instituto do Oriente Médio Serguei Sereguichev.
"Quanto
ao panorama, ele parece o de uma povoação semidestruída. Nós temos neste
momento um Egito à beira da guerra civil. A Síria está praticamente destruída.
Ambas as partes lutam por ruínas. Os americanos são reféns da sua ideologia
baseada no princípio da universalidade do valor da democracia. Os
norte-americanos pensam que a sua experiência democrática não é particular e
que ela pode ser difundida com sucesso por todas as regiões do mundo, incluindo
o Oriente Médio. Se os americanos continuarem a agir como têm feito até agora,
nós teremos em vez de um Oriente Médio uma zona de guerra contínua. Também
teremos um buraco negro no orçamento da ONU: os refugiados e o terrorismo são
apenas a ponta do iceberg."
Em resumo,
na opinião dos peritos, a tentativa de impor a democracia, nas atuais condições
reais no mundo islâmico, tal elas como se apresentam, irá abrir os caminho do
poder a "Hitleres muçulmanos". Isto é o que diz o diretor do Centro
de Estudos do Oriente Médio Moderno Gumer Isaev.
"Estamos
perante uma reconfiguração do Oriente Médio e as mudanças são inevitáveis. Mas
uma intervenção externa origina muitos problemas adicionais. O panorama está
realmente se alterando. Eu não falaria de "novos Hitleres".
Provavelmente, o maior perigo virá do caos e da instabilidade criados pela
alteração de paradigma, porque os regimes que estão no poder há décadas já não
conseguem responder aos desafios modernos. Esses regimes têm de ser
reformulados e não derrubados porque em condições de caos não se conseguirá
obter nada de positivo. Nós não vemos novos líderes, nós não vemos as forças
que poderiam tomar o poder com confiança e se tornarem na garantia de uma nova
estabilidade."
O conhecido
político alemão Joschka Fischer, que foi ministro das Relações Exteriores e
vice-chanceler da Alemanha de 1998 a 2005, chegou a referir que o regime de
Assad não seria substituído por uma democracia com primazia do direito. Pelo
contrário, a nova era será ainda mais desordenada e cruel. Diz Serguei
Sereguichev:
"Não
interessa se o regime é novo ou velho, o Oriente Médio entrou por muito tempo
na zona de transformação. O mais provável será, se não houver uma mudança
radical da cultura e da mentalidade da maioria da sua população, daqui a 20 ou
30 anos vermos por lá novas famílias no poder, que irão transmitir o poder por
herança de pais para filhos e de tios para sobrinhos, com democracias de
fachada, com ruas limpas, mas com horrores nas masmorras dos serviços de
segurança locais. E toda a gente ficará satisfeita porque isso é melhor do que
uma situação em que todos os dias não sabes se chegarás ou não a casa. A
democracia por lá só será possível no caso de as pessoas o quererem."
A comunidade
internacional acabou por não receber uma resposta legível à questão sobre o
resultado que Obama quer obter com a sua intervenção na Síria. Fica a sensação
que ele apenas quer conservar a face, apesar de o bom senso sugerir que a forma
mais fiável de reforçar a reputação de um "presidente que acaba com as
guerras" seria uma recusa firme em começar uma nova.
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